Educação

Superdotação: o mito da genialidade dificulta desenvolvimento saudável de crianças e jovens

Falta de atendimento adequado impacta saúde emocional de estudantes com altas habilidades

São José dos Campos tem, atualmente, 856 estudantes cadastrados como superdotados, sendo a segunda cidade do país com mais representantes dessa população, de acordo com dados coletados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Embora esses números sejam comemorados pela sociedade, a ideia de que superdotados são “gênios”, dificulta um olhar mais apurado para as necessidades e os problemas emocionais dessas crianças e jovens, conforme explica a neuropsicóloga Paula Zanchin.  “Há a falsa ideia de que o superdotado é um “gênio”, mas a verdade é que eles têm dificuldades importantes, especialmente, do ponto de vista socioemocional. Isso acaba gerando confusão com alguns transtornos como TEA (Transtorno do Espectro Autista) ou TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade)”, explica.

A superdotação é mais do que alto desempenho, trata-se de uma condição do neurodesenvolvimento que impacta todos os aspectos da vida do indivíduo: o cognitivo, o emocional, as funções executivas, o desenvolvimento motor – todas as áreas são afetadas.  E isso impacta, consideravelmente, a vida das famílias

Uma das principais dores dos pais de crianças superdotadas é encontrar uma escola que abrace essa neurodivergência e dê os encaminhamentos adequados ao seu desenvolvimento. Segundo Paula, a superdotação/ altas habilidades ainda é pouco compreendida pela sociedade e a comunidade educativa, de forma geral, tem pouca estrutura para receber essas crianças e oferecer o apoio necessário. “Algumas dessas crianças podem apresentar dificuldades sociais, experimentam frustrações de um jeito diferente  e isso acaba dificultando a identificação porque são comportamentos que se assemelham a outros diagnósticos”, afirma. 

É o que aconteceu com Theo, de 6 anos, que tem dupla excepcionalidade, ou seja, além das altas habilidades, tem TDL (Transtorno de Desenvolvimento de Linguagem), o que não foi compreendido pela antiga escola.  “As duas condições são muito novas e a escola ficou tateando esse terreno sem saber muito o que fazer. Lá eles enxergaram apenas o transtorno porque ele não tinha o alto desempenho esperado”, explica a mãe, a assistente social, Simone Saldanha.

De acordo com Simone, Theo é um menino bastante sensível e ao perceber a insegurança da escola, acabou não mostrando todo o seu potencial. A sensibilidade e a intensidade, inclusive, são as características mais marcantes do indivíduo superdotado. “As crianças superdotadas têm um processo sensorial diferente, o que as torna altamente sensíveis. Elas conseguem perceber o ambiente nas sutilezas e tirar suas próprias conclusões. É preciso um adulto preparado para ajudá-las a mediar suas emoções e percepções”, acrescenta Paula.

O papel da escola na saúde emocional de superdotados

Ao receber a identificação do filho a família deve se munir de informações para garantir seus direitos. Uma das primeiras providências a serem tomadas é a mudança na matrícula da criança para que seus direitos sejam garantidos.  Tanto a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) quanto a legislação municipal garantem atendimento integral e especializado em salas de recursos para estudantes com altas habilidades/superdotação. 

Simone administra  o perfil @duplamenteexcepcional e é membro do coletivo Juntos Pelo TDL (@juntospelotdl) e tem uma participação ativa nas redes sociais trazendo luz a essas duas causas, portanto, sabia o que precisava fazer.  Ciente dos direitos do filho, foi em busca de uma escola que  os respeitasse. 

Atualmente, Theo estuda numa instituição que acolhe suas condições e trabalha junto com a família para desenvolver todas as questões cognitivas, comportamentais e da fala do menino. “Hoje o Theo se sente valorizado nos seus interesses e particularidades, logo, tem mais iniciativa de fala, está mais alegre, menos cansado e mais engajado com a rotina”, comemora.

A neuropsicóloga explica que o aluno superdotado possui demandas específicas, precisa de desafios e olhar pedagógico diferenciado para que elas sejam atendidas da melhor maneira possível, desenvolvendo ao mesmo tempo o cognitivo e o emocional.  “Ao receber um aluno com esse perfil, o primeiro passo é buscar informações específicas sobre superdotação/altas habilidades, fazer uma leitura atenta do relatório enviado pelo profissional que avaliou para entender como a superdotação se manifesta naquele indivíduo. Isso é importante para que a escola consiga adaptar o currículo e oferecer recursos paralelos para mantê-los interessados”, explica Paula. 

Foi exatamente isso que a Escola Pindorama, na zona sul de São José dos Campos, fez para acolher não só o Theo, mas outras três crianças superdotadas que foram identificadas somente este ano na escola. “Recebemos a primeira aluna este ano e fomos estudar para saber o que poderíamos oferecer de melhor para ela,  logo depois foram chegando os outros. Nós nos apoiamos muito nas famílias e nos profissionais que acompanham essas crianças: somos um time”, diz Cibele Renó, mantenedora da escola. 

Hoje, cada uma dessas crianças tem um Plano Educacional Individualizado próprio e Cibele, juntamente com a coordenadora de Inclusão da escola e a professora titular da sala estão sempre em busca das melhores estratégias para atender as crianças de forma plena. “Precisamos estimular o cognitivo, mas não podemos esquecer o aspecto emocional desses estudantes. Muitos têm desafios sociais importantes e isso é trabalhado diariamente com muito carinho, acolhimento e respeito por toda a equipe”, afirma. 

Saiba quais são os sinais da superdotação/altas habilidades

  • Alta sensibilidade;
  • Intensidade Emocional;
  • Alta empatia além do esperado para a idade;
  • Preocupação com temas complexos como morte, fome no mundo, guerras, economia, meio ambiente etc.;
  • Curiosidade acima da média;
  • Criatividade;
  • Grande senso estético;
  • Interesses incomuns para a idade;
  • Paixão pelo aprendizado;
  • Alta energia (física e/ou emocional);
  • Hipersensibilidade sensorial (a sons, luzes, cheiros e texturas)
  • Perfeccionismo;
  • Baixa tolerância à frustração e ao erro;
  • Desinteresse pelas disciplinas escolares;
  • Recusa escolar;
  • Facilidade em uma ou mais áreas acadêmicas

E atenção: dada à alta sensibilidade e excesso de empatia, é possível que essas crianças escondam suas habilidades por medo da rejeição ou mesmo receio de magoar os amigos.  Se reconhecer um ou mais desses sinais na sua criança ou adolescente, é importante procurar um profissional capacitado para uma avaliação séria. Lembrando que a superdotação não é uma doença e apenas psicólogos, neuropsicólogos estão aptos a avaliarem. 

A partir de 2 anos e meio já é possível buscar essa orientação e se preparar para uma vida escolar mais saudável. 

Paula  Zanchin

Sobre.  Paula  Zanchin é neuropsicóloga clínica, e psicóloga, terapeuta cognitiva comportamental. É coautora do best-seller Autismo: um olhar por inteiro. Além das avaliações neuropsicológicas, atua também em habilitação e reabilitação neuropsicológica. Também atua como terapeuta cognitivo comportamental. 

Dra.Paula  Zanchin-Foto: Divulgação
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