Colunista Jefferson FernandesEntretenimento

O Mal-estar na digitalização (Ou Mal-estar do gozo digital)

Notas sobre prazer, repetição e vazio na vida conectada e desconexa.

Existe um fenômeno que está viralizando em uma velocidade surpreendente: o Brain rot (podridão cerebral).

O termo tem origem no século XIX, com o filósofo Henry David Thoreau, que defendia a troca do pensamento profundo por ideias simples. O termo retorna na era digital, entre os mais jovens, imersos na cultura das redes sociais. Por fim, em 2024, o Dicionário de Oxford escolheu o termo como a palavra do ano (se o dicionário fosse brasileiro, a palavra escolhida seria “Mano!”).

Brain rot é uma expressão sintomática do que o sociólogo Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida — vivemos em um tempo em que nada é feito para durar: nem os vínculos, nem os objetos, nem as ideias.

O consumo desenfreado de vídeos curtos (sempre em loop), memes e estímulos digitais instantâneos — de todos os assuntos, de todos os tipos, com imagens reais ou digitais — faz com que o jovem (mas não só ele), impaciente e fragmentado, esteja imerso em um mar de informações que seduz pela promessa do prazer imediato e sem fim — promessa feita por toda e qualquer droga, e que nunca se cumpre.

Pela visão de Bauman, a sociedade líquida é marcada pela insegurança e pela busca de gratificação instantânea e interminável, como o loop dos vídeos das redes sociais. Com o “auxílio” do Brain rot, o indivíduo aprende a não suportar o tédio, a não elaborar e a não aprofundar. O pensamento torna-se efêmero, exatamente como os conteúdos que o alimentam.

Para o gerador desse tipo de conteúdo, a atenção do “freguês” torna-se disputadíssima, com conteúdos cada vez mais curtos, supereditados e, claro, vazios! E faz um update no Gênesis “Renderizai,  viralizai e enchei a internet.”

Sob uma vertente psicológica, o Brain rot revela o conflito entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. Explico: as plataformas digitais funcionam como dispositivos de gozo, oferecendo uma sucessão infinita de pequenas doses de prazer — likes, notificações, compartilhamentos, estímulos visuais. O sujeito, guiado pelo princípio do prazer, busca incessantemente essas pequenas gratificações, evitando o desprazer da reflexão, do esforço cognitivo e do enfrentamento do real.

O pensamento crítico e o desejo — que exigem tempo, frustração e diferença — são substituídos pela compulsão de rolar a tela. E tudo isso resulta em algo paradoxal: quanto mais o sujeito busca prazer, mais vazio ele se sente (consciente ou inconscientemente), porém sempre estimulado.

Para alegrar os psis freudianos que leem neste momento: é o retorno do recalcado sob a forma de apatia e ansiedade — o sujeito não pensa, não sente, apenas reage.

Na era digital, os signos se multiplicam, mas o significado se dissolve. O Brain rot expressa uma hiperinflação semiótica — há excesso de signos, mas falta de significação. Tudo comunica, mas nada diz. As imagens sucedem-se em velocidade tal que o sujeito não tem tempo de interpretar: apenas consome!

E, quando tenta interpretar, percebe que não há o que ser interpretado — ou que não valeu o tempo perdido, tamanha a insignificância. Afinal, esse tipo de conteúdo não é feito para ser interpretado.

O Brain rot não é apenas uma consequência do uso excessivo da tecnologia, nem um blá-blá-blá de “véio reclamão”. Ele — o Brain rot — demonstra a precariedade das relações humanas e revela não só uma degeneração do cérebro, mas uma patologia da cultura: o colapso do tempo, do desejo e do sentido.

O sujeito acostumado ao Brain rot, ao fugir da dor e da lentidão, perde também a capacidade de pensar, desejar e, em última instância, de ser — tornando-se parte de um viral de péssimo nome.

Não me parece muito positivo… mas qual droga é?

Por JEFFerson Fernandes

JEFF Fernandes, Psicanalista em formação,Jornalista, Produtor de áudio e Locutor
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