Meio Ambiente

Estudo mostra possíveis impactos das mudanças climáticas e do desenvolvimento econômico na demanda por água potável até 2040

A infraestrutura de saneamento básico passa por uma das mais importantes reestruturações ao longo dos tempos, a partir da nova Lei do Saneamento – a Lei 14.026/2020. As alterações propostas devem transformar o setor com a chegada de novos investimentos públicos e privados, ao mesmo tempo em que se prevê uma grande expansão dos serviços de abastecimento de água potável, coleta e tratamento dos esgotos se aproximando da universalização desses serviços para a população brasileira.

Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, ano 2018) apontam o motivo de tamanha mobilização: temos, no país, perto de 35 milhões de pessoas sem abastecimento de água, mesmo na pandemia, mais de 100 milhões sem coleta de esgotos e apenas 46% do esgoto gerado sendo tratado. Jogamos diariamente mais de 5.710 piscinas olímpicas de esgotos na natureza. São indicadores que colocam pressão no país, principalmente para o cumprimento de metas do Brasil com a Organização das Nações Unidas (ONU). Devemos atender aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) – ODS 6 – e levar água e esgotos a todos até 2030. Difícil ao ver que perdemos quase 40% da água potável por ineficiências na distribuição; vazamentos, roubos e fraudes, erros de medição que tiram mais de R﹩ 12 bilhões por ano do setor de saneamento, além de pressionar os recursos hídricos, tão escassos em crises hídricas constantes em regiões como Nordeste, Sudeste, e agora no Sul.

Instituto Trata Brasil

Este novo estudo do Instituto Trata Brasil, intitulado Demanda Futura por Água Tratada nas Cidades Brasileiras – 2019 a 2040, mostra cenários do consumo de água no futuro frente a novas perspectivas demográficas e econômicas e as mudanças climáticas. Feita pela Ex Ante Consultoria, a pesquisa conta com importantes apoios acadêmicos: a dissertação desenvolvida por Rubens Amaral Ferreira Filho para o programa de Mestrado Profissional de Ambiente, Saúde e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (SP) e apoio do Prof. Dr. Roger Rodrigues Tadeu, pesquisador do Clima da Universidade Federal de Itajubá. Tem ainda o apoio institucional da The Nature Conservancy (TNC), organização global de conservação ambiental.

Conceitos do estudo

O presente estudo tem como objetivo desenhar cenários de demanda futura de água nas moradias brasileiras até 2040, sob diferentes condições econômicas, demográficas, de padrão de consumo e fatores ambientais. Considera as estatísticas e a ampla literatura acadêmica sobre os temas, sendo que a metodologia é amplamente amparada nas análises prospectivas de vendas e produção de bens, serviços na economia de uma forma geral. A proposta é que o estudo sirva para amparar planejamentos de longo prazo, seja de empresas ou do poder público, em especial na gestão de recursos ambientais. A metodologia completa estará no site www.tratabrasil.org.br

Destaques do estudo

1. Como já demonstrado em outros estudos internacionais, a metodologia aplicada mostrou que quanto maior o crescimento econômico de um local, acompanhado de crescimento demográfico, maior a demanda pela água. Neste estudo, considerando um cenário de mudanças expressivas no padrão de consumo e uma elevação mais acentuada do PIB per capita (cenário 4 – mais abaixo), os cálculos, para os próximos 23 anos (2017 a 2040, evidenciaram que espera-se um grande aumento na demanda pela água no Brasil somente em razão do crescimento econômico e da expansão demográfica. A demanda potencial de água pode atingir 14,299 bilhões de m³ em 2040, indicando um acréscimo de 2,837 bilhões de m³ em relação à demanda de 2017. Esse é um volume tão grande que corresponde à soma do consumo de água de todos os municípios do Estado de São Paulo em 2017 .

2. Pressupondo que a demanda potencial por água seja plenamente atendida em 2040, algo que não ocorreu em 2017, será necessário entregar nas cidades brasileiras 4,337 bilhões de m³ de água a mais do que foi efetivamente entregue em 2017. O crescimento de demanda seria, portanto, de 43,5% em 23 anos, ou ainda, de 1,6% ao ano. Esse volume se aproxima da demanda efetiva dos estados de São Paulo e Minas Gerais em 2017. Também como forma de comparação, o volume do Sistema Cantareira, o maior sistema hídrico do Estado, possui capacidade total de 982 milhões de m3 (volume útil) segundo dados da Sabesp, sendo responsável pelo abastecimento de 9 milhões de habitantes. Significa que precisaríamos de 4,4 Sistemas Cantareira cheios a mais só para atender a água adicional em 2040.

A Tabela Resumo traz as principais projeções do estudo para 2040:

Tabela Resumo
Projeções de demanda por água em 2040

Fonte: fonte própria

3. Mantidas as ineficiências atuais do sistema, a produção necessária adicional de água seria de 7,030 bilhões de m³ em 2040: 4,337 bilhões de m³ para suprir a demanda adicional e 2,693 bilhões de m³ de desperdícios. Isso equivale a um acréscimo de 70,5% em relação ao que foi entregue em 2017. Isso sugere fortemente que o suprimento da demanda futura incremental por água deva ser garantido, em boa parte, por um processo de racionalização e diminuição das perdas na distribuição. O que se desperdiçou de água tratada em 2017 (3,815 bilhões de m³) seria quase o suficiente para suprir a demanda incremental (4,337 bilhões de m³), sem pressão adicional sobre os mananciais. Assim, as reduções das perdas são fundamentais para o equilíbrio hídrico das cidades brasileiras.

4. Em relação às mudanças climáticas, o estudo apontou que houve um acréscimo de temperatura nos Estados de São Paulo e Ceará entre 1980 e 2015, o que mostra uma evolução real das mudanças climáticas no Brasil. Os eventos climáticos extremos relacionados às secas são observados no Brasil há décadas, contudo, observa-se uma intensificação na duração destes eventos. São os casos ocorridos no Sudeste de 2013 a 2015, no Nordeste de 2011 a 2018 e na região Amazônica entre 2005 e 2010. O estudo mostrou que o acréscimo de 1° C na temperatura máxima ao longo do ano até 2040 no Brasil elevaria o consumo de água em 2,4%. Isso resultaria numa nova demanda, adicional às causadas pelos fatores econômicos e demográficos, próxima a 343 milhões m³ por ano. Em se mantendo a atual ineficiência na distribuição da água potável, com perdas da ordem de 38%, a quantidade adicional de água a ser produzida seria de 556 milhões m³ por ano (343 milhões m3 para atender a população e 213 milhões m3 de perdas). Esse volume corresponde a uma demanda incremental maior que a exercida na cidade do Rio de Janeiro em 2017. Segundo Roger Torres, professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), cujo tema de pesquisa envolve os impactos e as vulnerabilidades brasileiras frente às mudanças: “As mudanças climáticas é um grande desafio a ser enfrentado por todas as nações no século XXI. Em especial, o Brasil, por sua dimensão territorial que envolve diversos climas, biomas e realidades socioeconômicas, é uma dessas nações que poderão ser profundamente impactadas pelas mudanças climáticas. Tais impactos poderão vir de diversas formas, tais como, aumentos expressivos de precipitação na região Sul e diminuição na região Nordeste, que poderão afetar intensamente os diversos usos da água no país.”

5. Vale citar que, além do aumento da demanda por água, um aquecimento de 1° C poderia levar várias regiões à desertificação e ampliar a área do semiárido brasileiro, que já reúne municípios mais secos e com maior dificuldade de suprir a demanda. Há cidades onde a escassez sistemática de água pode superar 20% da demanda.

6. Os resultados indicam que os desafios são imensos. Conforme Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, “para atender a demanda incremental da água necessária à expansão demográfica, crescimento econômico e pelas necessidades da universalização do abastecimento, as cidades e o setor de saneamento terão que dar respostas. Para não pressionar demais os recursos hídricos serão necessários altos investimentos em reservação, tratamento dos esgotos e na redução das perdas, com troca de redes e eficiência na distribuição de água potável. E teremos que monitorar com atenção as áreas em que o aquecimento global pode provocar menos chuvas e ainda mais escassez desses recursos.”

Consumo de água no Brasil em 2017

De acordo com relatórios da ONU, preconiza-se um consumo de água diário por habitante de até 110 litros, que seria a quantidade necessária para a pessoa viver confortavelmente. No entanto, segundo dados do SNIS, no Brasil em 2017 foram consumidos 153,56 litros por pessoa atendida pelo sistema no país, incluindo aí o volume do consumo que não é medido diretamente pelos operadores. Segundo esses dados, havia cidades com consumo médio de 5,1 litros diários e outras com 1.628 litros diários por habitante. Corrigindo os dados pelo consumo estimado, ou seja, retirando do consumo a parcela de consumo que é considerada um erro de medida e incorporando as estimativas para os municípios que não informaram o SNIS, chega-se a um volume de 11,463 bilhões de m³. Esse valor representa uma média diária de 151,23 litros por pessoa no país, incluindo a quantidade de água que é perdida na distribuição e aquela que é consumida no comércio, nos serviços (por exemplo, nas escolas, hospitais, bares e restaurantes), nos condomínios e na limpeza urbana.

Mapa 1 – Consumo esperado de água, em litros diários por habitante, Brasil, 2017

Fonte: SNIS. Elaboração: Ex Ante Consultoria Econômica

O Mapa 1 traz as estimativas de consumo diário de água nos municípios brasileiros. Nota-se que há uma grande dispersão dos volumes médios, com um pequeno número de cidades com consumo elevado, incluindo as capitais e os grandes centros urbanos, e cidades com consumo reduzido. A maior parte com consumo reduzido está localizada no semiárido brasileiro. Na Tabela 1 é possível analisar o consumo por habitante em cada Unidade da Federação as correções feitas pelo estudo.

Tabela 1 – Consumo esperado de água, 2017

Fonte: Cálculos próprios.

Cenários econômicos e demográficos para 2040

Cenários demográficos – Para projetar o consumo de água em 2040, faz-se necessário, antes de tudo, projetar o PIB e a população das cidades brasileiras no futuro. Nesse cenário, o estudo apontou que a população brasileira deve crescer 0,5% ao ano entre 2017 e 2030, ou seja, numa taxa 0,7 ponto percentual inferior à observada entre 2002 e 2017. Entre 2030 e 2040, o crescimento deve ser ainda menor, de 0,3% ao ano, indicando a tendência de estabilidade demográfica. As taxas de expansão demográficas caem em todas as regiões e estados brasileiros, mas ainda são positivas. Apesar das reduções nas taxas, os estados da região Norte continuarão apresentando ritmos mais acelerados de expansão demográfica, com destaque para Acre, Amazonas, Amapá e Roraima. Os estados da região Centro-Oeste, apesar de apresentarem as maiores reduções nas taxas, ainda estão entre os quais crescerão em termos populacionais entre 2017 e 2040.

No plano municipal, as mudanças também são expressivas. No período de 2002 a 2017, as taxas de expansão demográficas dos municípios variavam entre -7,8% ao ano e 10,1% ao ano. No período seguinte, de 2017 a 2030, as taxas devem flutuar entre 2,2% ao ano e 2,8% ao ano. Em parte, esse resultado espelha a tendência de redução intensa das taxas de fertilidade em todo o país.

Cenários econômicos – São desenhados dois cenários econômicos. A diferenciação dos dois cenários econômicos está diretamente ligada às premissas de evolução dos investimentos em construção, máquinas e equipamentos, semoventes e florestas. No cenário mais conservador (Cenário 1), assume-se a manutenção dos investimentos no patamar que prevaleceu em 2015 e 2019, período de forte retração da formação bruta de capital e baixo crescimento econômico. No cenário mais otimista (Cenário 2), assume-se um crescimento dos investimentos para o patamar que prevaleceu entre 2002 e 2015, período que mescla experiências de maior e menor crescimento econômico, com flutuações nas taxas de investimento, mas médias superiores às observadas entre 2015 e 2019. Em ambos os cenários, a economia brasileira será marcada por uma crise intensa em 2020 e início de 2021 em razão da pandemia de coronavírus.

Em consequência dessas premissas, o crescimento econômico resulta maior no segundo subperíodo do Cenário 1. O crescimento do PIB per capita resultante da manutenção do investimento no patamar reduzido de 2015 a 2019 deve ser de 1,3% ao ano, valor próximo ao registrado no período entre 2002 e 2017. As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste devem ter taxas de expansão do PIB menores que a média nacional, com retrações consideráveis das taxas de crescimento no subperíodo anterior. Vale observar, contudo, que a própria média nacional deve cair 0,6 ponto percentual nesse cenário mais conservador. No subperíodo de 2030 a 2040, o ritmo de expansão deve cair para todas as regiões, pois são menores as taxas de crescimento do PIB per capita e da expansão demográfica.

No Cenário 2, entre 2017 e 2030, a expansão deve alcançar 2,1% ao ano, e entre 2030 e 2040, o ritmo deve ser de 1,6% ao ano. Pesam para esse resultado os investimentos maiores que os projetados no Cenário 1. Para o período de 2017 a 2030, espera-se uma taxa média de crescimento do PIB de 2,6% ao ano, valor 0,2 ponto percentual superior à média do subperíodo de 2002 a 2017.

Cenários de consumo de água em 2040

Ao considerar as variáveis apresentadas (ver metodologia completa no Relatório Técnico no www.tratabrasil.org.br), o estudo traz os cenários em relação ao consumo de água no Brasil até 2040. Ao total, são apresentados quatro cenários que resultam de premissas econômicas e comportamentais alternativas. Os Cenários 1 e 2 estão baseados na manutenção do padrão atual de consumo de água das cidades brasileiras, sendo que o que varia entre os dois é a situação econômica. Os Cenários 3 e 4 reproduzem essa comparação de situações econômicas com taxas de expansão da renda diferentes, mas partem da premissa de aumento na intensidade de consumo de água associado a uma maior urbanização, o que leva a um adensamento maior das cidades, e à universalização dos serviços de abastecimento de água em todas as áreas urbanas do país até 2040. Esse perfil corresponde ao de um grupo grande de cidades brasileiras que já tem serviços universalizados e são bastante urbanizadas. Nesse sentido, os Cenários 3 e 4 podem ser vistos como situações em que há convergência dos padrões de consumo entre as cidades brasileiras para um patamar mais elevado.

Cenários de consumo de água, por situação econômica
e padrão de consumo, taxa média de crescimento, Brasil, 2017 a 2040

Nos Cenários 1 e 2, as taxas médias de crescimento do consumo de água das cidades brasileiras são de 0,72% ao ano e 0,79% ao ano. A taxa mais elevada, que está associada ao crescimento econômico de 2,3% e elevação da renda per capita de 1,9% ao ano, é superior à média histórica de expansão do consumo de água em grandes cidades grandes como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, que em conjunto cresceram ao ritmo de 0,5% ao ano entre 2010 e 2018, mas está abaixo da taxa média nacional, que foi de 1,3% ao ano entre 2010 e 2018.

Água potável

Nos Cenários 3 e 4, as taxas de crescimento do consumo de água das cidades brasileiras são mais elevadas, variando entre 0,90% ao ano e 0,97% ao ano. Note-se que a taxa de expansão esperada no Cenário 3, que projeta uma elevação do padrão de consumo num ambiente de crescimento econômico menor, já é maior que a taxa projetada numa situação de crescimento econômico mais elevado com padrão regular de consumo (Cenário 2). Isso indica que os processos de universalização do acesso aos serviços de abastecimento água e de urbanização das cidades tem impacto maior que o crescimento econômico sozinho. Já no Cenário 4, em que se observam mudanças expressivas no padrão de consumo e uma elevação mais acentuada do PIB per capita, a expansão é ainda maior.

Mudanças Climáticas

Outra questão importantíssima que surge nesse horizonte temporal de análise de mais de duas décadas é o das mudanças climáticas. A temperatura máxima observada nas cidades afeta de forma decisiva o consumo residencial de água: quanto mais quente uma cidade, maior o consumo diário. As estimativas feitas neste estudo indicam que a cada grau Celsius adicional na temperatura, espera-se um aumento de 2,4% na demanda por água no Brasil. O estudo “Water demand in the Rock River water supply planning region, 2010-2060“, feito por Meyer et al (2019), mostrou que a influência da temperatura máxima sobre a demanda de água nas cidades da bacia do Rio Rock, Illinois, foi de 1,1% a cada grau Fahrenheit, o que equivale a um aumento de aproximadamente 2,0% a cada grau Celsius.

Conforme as estimativas para o Brasil, um acréscimo até 2040 de 1° C na temperatura máxima ao longo do ano no Brasil elevaria o consumo de água em 2,4%. Isso resultaria numa demanda adicional próxima a 343 milhões de m3 por ano e uma quantidade produzida adicional de 556 milhões de m3 por ano (mantendo o nível atual de perdas na distribuição), além de poder levar várias regiões do país à desertificação.

Mudanças Climáticas – A situação do Nordeste e Sudeste

A dissertação de Ferreira Filho (2020), que avalia como o setor de saneamento internaliza as questões climáticas nas operações de água e esgoto, teve como estudo os Estados do Ceará e São Paulo jogando luz às realidades climáticas do Nordeste e Sudeste. A avaliação mostra que a universalização do acesso à água tratada e à coleta e tratamento dos esgotos reduziria os impactos causados pelas mudanças climáticas. Portanto, que o setor de saneamento básico deveria cada vez mais internalizar com agilidade e eficácia a agenda climática nas operações. Estas vulnerabilidades quanto à demanda hídrica no futuro também têm impacto nas doenças causadas pela água poluída e esgotos, sobretudo em épocas de enchentes.

Entre os relatórios oficiais que balizam os desafios brasileiros para as próximas décadas em relação às mudanças climáticas, destacam-se o Fundo Verde para o Clima [GCF (2017)] e o Primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (2015), nos quais se observam apontamentos similares para o Brasil: aumento na temperatura, variações de precipitação, risco de desabastecimento hídrico, aumento do nível do mar e mudanças nos padrões climáticos como alguns dos principais impactos já identificados.

É possível ter uma dimensão de alguns indicadores climáticos para o Sudeste e Nordeste, em especial para o estado de São Paulo e Ceará, que são objetos diretos da dissertação. Os dados foram extraídos da base de dados de Xavier et al. (2017), em que os autores usaram 3.625 pluviômetros e 735 estações automáticas no período de 1980-2013, com atualização até 2016. Chama atenção a diminuição de chuvas de 53,9 mm por década no Ceará de 1980-2015, totalizando uma queda de 188,65 mm em três décadas e meia; o mesmo se aplica às temperaturas, com um acréscimo de 1,33ºC na temperatura máxima no período, assim como aumento de 0,73ºC na temperatura mínima, e 1,01ºC na temperatura média. Em São Paulo houve queda de 70,7 mm nas chuvas nestas três décadas e meia. No mesmo período foi possível observar aumento da temperatura máxima de 0,98ºC, uma diminuição de 0,35ºC na temperatura mínima e um aumento de 0,49ºC na temperatura média.

Embora os dados apresentados falem dos dois estados é possível ter uma dimensão do futuro climático nas regiões correspondentes. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas aponta um aumento da temperatura do ar até 2070 em 1,5º C a 2,5º C no Nordeste, e 1,5º C a 2º C no Sudeste, como Quadro 1 mostra.

Quadro 1 – Projeções climáticas para o Sudeste e Nordeste

Fonte: Ferreira Filho (2020)

Conforme a dissertação aborda, as empresas de saneamento básico dos estados de São Paulo e do Ceará, bem como suas agências reguladoras estaduais, consideram o fenômeno das mudanças climáticas, mas esses cenários futuros são pouco considerados no planejamento da expansão e manutenção do saneamento. As alterações do clima e impactos na demanda hídrica são preocupações iminentes do setor, ao ponto de serem elencadas como impacto prioritário, visto os acontecimentos nas últimas décadas. A estiagem de 2012 a 2018 em parte do Nordeste foi considerada a mais longa pelo setor de saneamento, com danos à demanda hídrica e ao sistema sanitário dos centros urbanos e rurais. Já a estiagem de 2013 a 2015 no Sudeste, sobretudo em São Paulo também foi apontada como a estiagem mais duradoura na região. Estes eventos climáticos extremos tendem a se repetir no futuro. Mas mesmo na incerteza dos impactos climáticos no futuro, o setor de saneamento básico ainda aparenta estar pouco preparado para enfrentar novos eventos extremos, principalmente aqueles relacionados à seca.

O grupo de profissionais entrevistados indicou que os principais impactos das mudanças climáticas são: (i) risco de desabastecimento de água nas cidades; (ii) busca por novas fontes de água e (iii) aumento do valor da água para amortizar os investimentos. Indicaram ainda os seguintes impactos relacionados aos eventos climáticos extremos (secas e cheias): (i) danos às infraestruturas hídricas pelo baixo volume dos reservatórios em épocas de estiagens; (ii) impacto das cheias nos sistemas de esgotamento sanitário (ETEs); (iii) impacto aos sistemas sanitários devido as ligações irregulares da rede pluvial à rede de esgoto.

Conclusões e Recomendações

O novo estudo do Instituto Trata Brasil aborda questões fundamentais para o planejamento hídrico e do setor de saneamento. É essencial compreender como a sociedade e os setores serão impactados no futuro com o aumento da demanda hídrica, seja pelas mudanças climáticas ou pelo crescimento econômico e demográfico. Problemas antigos, como a ineficiência na distribuição da água por muitas companhias de saneamento básico, serão cada vez mais colocados em xeque pela necessidade de preservar os recursos hídricos disponíveis.

Uma das recomendações que o estudo traz é a necessidade urgente de combater as perdas de água nos sistemas de distribuição, que no país beira os 40%, conforme aponta o SNIS em 2018. Em outro estudo recente do Instituto Trata Brasil (ver no site http://www.tratabrasil.org.br), estas perdas de água causaram prejuízos de R﹩ 12 bilhões ao setor de saneamento básico. Com o nível atual de perdas, a demanda futura de água até 2040 demandaria um acrescimento de produção muito elevado, não para atender mais pessoas, mas para compensar a ineficiência.

Como analisado no estudo, se fossem mantidas as ineficiências atuais do sistema, a produção necessária adicional de água seria de 7,030 bilhões de m³ em 2040 – (4,337 bilhões de m³ para suprir a demanda adicional e 2,693 bilhões de m³ de desperdícios. Isso sugere fortemente que o suprimento da demanda futura incremental por água deva ser garantido, em boa parte, por um processo de racionalização e diminuição das perdas na distribuição. O que se desperdiçou de água tratada em 2017 (3,815 bilhões de m³) seria quase o suficiente para suprir a demanda incremental (4,337 bilhões de m³), sem pressão adicional sobre os mananciais. Assim, as reduções das perdas são fundamentais para o equilíbrio hídrico das cidades brasileiras.

É importante que o aumento no consumo de água seja monitorado pelos Estados, municípios e setor de saneamento, ao mesmo tempo em que será fundamental que se promovam ações de educação ambiental voltadas ao uso racional da água.

Quanto às mudanças climáticas, as recomendações trazidas pela dissertação são para o setor de saneamento básico e compreende companhias de água e esgoto e agências reguladoras:

i) Compreender as vulnerabilidades causadas pelas mudanças climáticas nos territórios de operação dos serviços de água e esgoto;

ii) Incluir nos planejamentos de operação e investimentos o histórico de variabilidade climática das últimas décadas disponível para que haja compreensão dos impactos causados pelos eventos climáticos extremos do passado;

iii) Incluir a variável climática nos investimentos necessários, em termos de recursos financeiros, das operações dos sistemas de saneamento básico;

iv) Incluir as projeções climáticas sobre cenários futuros para que as operações não sejam afetadas; e

v) Garantir que os investimentos pelas companhias de saneamento sejam alocados para a resiliência do abastecimento de água para consumo humano, manutenção dos sistemas de operação e ampliação da coleta e tratamento de esgoto.

Imagem de ExplorerBob por Pixabay 

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